Postado em 15 de maio de 2022

A contemplação na sociedade do cansaço

Autor(a): Roberto Camilo Órfão Morais

 Segundo o filósofo Byung- Chul Han, o excesso de positividade, presente no mundo, devido às grandes mudanças tecnológicas, se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Descreve que a chamada ‘multitarefa’, não apresenta nenhum progresso civilizatório.

Por contraditório que pareça ser, para Byung- Chu Han as evoluções tecnológicas- sociais, tem aproximado cada vez mais a sociedade humana da vida selvagem. Na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades: “O animal não pode mergulhar contemplativamente no que tem diante de si, pois tem de elaborar ao mesmo tempo o que tem atrás de si”. O bem viver, no mundo contemporâneo, cedeu lugar à preocupação por sobreviver.

As novas tecnologias disponibilizam informação em excesso, com o ritmo acelerado, gerando uma atenção ampla; porém, rasa - superficial. Conforme a filósofa Hanna Arendt, “quanto mais superficial a pessoa é, mais suscetível está a ceder ao mal”. A disseminação de uma ‘cultura de ódio e intolerância’, em boa parte, se explica por essa ausência de compreensão da vida e, de suas relações. Sujeito às manipulações nas redes sociais, parte da população é conduzida numa onda de superficialidade e insensatez.

Assertivamente, já no final do século XIX, o poeta e filósofo Ralph Waldo Emerson, caracterizou o ser humano moderno: "um andarilho que corre sobre uma fina camada de gelo. Ele não tem um destino certo. Mas sabe que, se parar, o piso racha e morre afogado” (...) “nossa segurança está em nossa velocidade”. 

Por sua vez, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, evidencia que, a vida humana, finda numa hiperatividade mortal se, dela for expulso todo elemento contemplativo. Eis suas palavras: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo”. O homem e a mulher do século XXI, tem a responsabilidade de fortalecer e estimular o “elemento contemplativo”, tão necessário para uma cultura do bem-viver e do bem-conviver equilibrado.

A contemplação, diante da vida, inicia e sustenta a aprendizagem, estabelece uma relação amorosa com saber. O amor à sabedoria, nasce do espanto (admiração), que por sua vez é fruto da contemplação da beleza do mundo. Essa contemplação cósmica, diante do mistério da vida, levou o místico Thomas Merton a dizer: “O poeta entra em si mesmo para criar. O contemplativo mergulha em Deus para ser criado”. Tanto o poeta, quanto o contemplativo, são envolvidos por uma aura de leveza, recolhimento e quietude.

O filósofo coreano Chul Han faz uma constatação: “A massa de informações eleva massivamente a entropia do mundo, sim, o nível de ruído. O pensamento necessita de silêncio. É uma expedição para o silêncio”. O nível de ruído, de barulho, interfere na qualidade do pensamento, da reflexão. Essa cultura contemporânea hiperruidosa não gera nada de novo, reproduz o que já existe, expressa aflição, inquietação e, uma concepção reducionista da vida.

Contemplar significa compreender que, a acelerada rotina, não basta para a plenitude de nossa existência. Significa recuperar e, se reconciliar com a vida em seu instante vivido, dizendo sim à sua beleza. O tédio cansa, esgota. A contemplação reencanta e revigora a integridade da vida. “É uma expedição para o silêncio”.

A busca da contemplação não deve ser confundida com anseios por sensações de arrebatamento. Nas palavras do Papa Francisco, “Contemplar e cuidar: eis duas atitudes que indicam o caminho para corrigir e reequilibrar nossa relação de seres humanos com a criação”.

A contemplação está presente também nos ensinamentos e na vida de Jesus de Nazaré: “Olhai os lírios do campo que não trabalham e nem fiam e, no entanto, nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles” (Lucas 12, 27). Jesus de Nazaré é o contemplativo itinerante que sabe ver, olhar e contemplar a beleza da natureza presente nos lírios do campo. Quanta sensibilidade contemplativa. Parar e contemplar: eis a grande dificuldade do ser humano da pós-modernidade.

Parafraseando o teólogo Karl Rahnner que afirmou que o cristão do futuro, ou será um místico ou não será, a humanidade nesse século ou será contemplativa ou perderá sua própria humanidade.

Eder Vasconcelos, franciscano e escritor. Autor de diversos livros, entre eles, Vida espiritual como caminho de realização – Editora Vozes.
Roberto Camilo Orfão Morais. Professor da área de ciências humanas- filosofia do INSTITUTO FEDERAL SUL DE MINAS - Campus Machado/MG


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje

Roberto Camilo Órfão Morais
Professor
Professor de Ciências Humanas do Instituto Federal Sul de Minas - Campus Machado.



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