Postado em 22 de dezembro de 2020

A repetição histórica

Autor(a): Humberto Azevedo

Num sonho maluco me transpus para os idos dos anos 50. Lá estava eu acompanhando os bastidores do início do novo governo de Getúlio Vargas, agora eleito e constituído democraticamente. O Brasil dos anos 50 não era mais àquele país que a Revolução Liberal de 1.930 deixara para trás. A nação se modernizava, apesar das resistências retrógradas. Foi dado início a ampliação dos setores médios da sociedade, com o aumento do comércio, da indústria e, sobretudo, do setor de serviços.

Em meados do século XX o Brasil se livrara do seu passado agrário, colonial e escravista para dar início a um novo tempo. Pelo menos, em tese! No Brasil moderno dos trabalhistas de inspiração inglesa, não havia espaço para o atraso. Com uma burguesia em sua maioria que se achava descendente de nobres e das realezas europeias, o avanço do país teve que se dar obrigatoriamente pelas mãos do Estado. O capitalismo se impôs e o Brasil deu início ao seu crescimento econômico. Largava para trás o atraso e buscava desesperadamente o desenvolvimento. Não se importando com quase nada. Como no passado colonial e imperial, passava o trator a quem se opunha.

Resultado das disputas políticas mais tacanhas, o então presidente brasileiro colocado sob pressão e cercado em todos os lados numa perseguição que reunia os representantes da escravidão, os oportunistas de sempre e os interesses das nações e corporações que nos espoliam até hoje, Vargas lançou mão do gesto mais radical e pôs fim a própria vida sustando por quase dez anos a conspirata que queria colocar em seu lugar um fantoche para manter a subserviência do país e de sua gente.

O suicídio de Vargas resultou um ano depois na eleição de um conservador-liberal, que apostava tudo na modernização do país para vencer de uma vez por todas o atraso de mais de quatro séculos de colonização e espoliação. Seu governo é lembrado até hoje como o mais inspirador, mas o resultado foi trágico na economia, permitindo a eleição de um sucessor populista amalucado que não durou mais do que oito meses, mergulhando a nação numa profunda crise de quase guerra civil.

A costura política das velhas raposas tranquilizou os brasileiros. Os ânimos se acalmaram, um pouco, e se deu início de forma inédita contra todas as previsões legais um governo das cúpulas chefiado por um primeiro-ministro não outorgado pelo povo, mas avalizado pelas elites. A experiência durou pouco. Menos de 15 meses depois a população em visita as urnas reestabelecia os poderes do presidente, eleito vice, com mais votos daquele que se elegera para o cargo e que já não existia mais politicamente.

A retomada da agenda trabalhista que levou Vargas ao suicídio por João Goulart voltou a acirrar os ânimos de uma sociedade estritamente dividida entre o atraso e o retrocesso contra o futuro e o desenvolvimento. Acreditando ser capaz de levar adiante as pautas herdadas de Getúlio por meio das regras do jogo consentido, Goulart durou um pouco mais de um ano. Em primeiro de abril, ironicamente tido como dia da mentira, de 1.964, o petebista era retirado do cargo por uma revolução que se achava redentora e que mais tarde entraria para história como golpe, mesmo.

Ainda em meio aos conturbados dias de abril de 64, foi dado a oportunidade ao então presidente de resistir e iniciar uma guerra para a retomada do poder se iniciando nas ruas da gaúcha Porto Alegre, sua cidade política, para tentar retornar a capital do Brasil tomada pelos golpistas. A guerra duraria meses. Inclusive, o governo dos Estados Unidos que apoiou os golpistas, não sabia ao certo que desfecho teria o confronto bélico. Mas Goulart alegando não querer assistir o sangue de milhões de brasileiros borboletear preferiu sair de cena, acatar a vitória dos golpistas e se recolher nas suas fazendas do vizinho Uruguai.

Com o golpe em marcha e a revolução se achando redentora durando 21 anos, o país da agenda trabalhista de Vargas aderiu a uma agenda puramente capitalista que não mudou um centímetro a situação social herdada dos séculos passados de uma nação que trocou o trabalho escravo pelo quase escravo. As condições de vida da maioria da sua gente continuavam miseráveis. Os setores medianos que ganharam corpo com a Revolução Liberal de 1.930 se viram estritamente empobrecidos. E o golpe, ou revolução que se queria redentora, ruiu de tão podre.

O país retorna à democracia, se é que podemos chamar de democracia o projeto incipiente que se instalou a partir de 1.985 e que tentava se livrar, aos poucos, do entulho autoritário herdado por duas décadas de ditadura. O Brasil e os brasileiros apreenderam a conviver com a hiperinflação deixada pelos ditadores por quase 15 anos, até que acreditando ser uma nação estável e sem arroubos e sobressaltos, o país e sua gente conquistam a estabilidade econômica que vinha aos poucos tentando fazer desta nação uma imensa pátria de classe média que se imporia ao mundo. Até que vieram as jornadas de 2.013 repetindo aquilo que se sucedeu com Vargas.

O Brasil de 2.020 é resultado imediato do golpeimpeachment de 2.016. O ano de 2.018 será marcado para sempre como o ano que nos devolveu, num túnel maluco do tempo, a gestão do ex-presidente ditador João Batista Figueiredo (PDS, hoje PP e que se dividiu em PFL, atuais DEM e PSD). Bolsonaro, com todos os seus crimes de responsabilidade praticados diariamente, é a tentativa atrasada e retrógrada que substituiu os coronéis por milicianos, e que sonha em devolver o país a velha república da calmaria para a elite e que era um inferno para a sua gente.

Bolsonaro é a vitória colonial espoliante. Sua permanência a cada dia no poder é a derrota de um projeto de Brasil altivo e verdadeiramente independente. E ele permanecerá no poder enquanto as elites mais atrasadas e retrógradas não tiverem certas que possuem alguém que possa fazer frente e derrotar eleitoralmente os adversários que representam a agenda trabalhista. Para acabar com isso só o povo se libertando das amarras e das manipulações que lhe aprisionam. Sem isso, continuaremos sendo o que somos atualmente: uma nação pária aos olhos de todo o mundo civilizado e moderno.



** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje

Humberto Azevedo
Jornalista e consultor político
Humberto Azevedo é jornalista profissional, repórter free lancer, consultor político, pedagogo com especialização em docência do ensino superior, além de professor universitário, em Brasília (DF).



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