Postado em 7 de outubro de 2020

Bolsonaro, enfim, abandona o radicalismo

Autor(a): Humberto Azevedo

A última semana do mês de setembro e o primeiro dia do mês de outubro deste 2.020, de pandemia a parte, trouxe um elemento que todos do meio político aguardavam. Enfim, o presidente Jair Bolsonaro, por enquanto sem filiação partidária, decidiu abandonar o radicalismo que, em parte, o ajudou a se tornar o trigésimo oitavo chefe de Estado e do Poder Executivo da República Federativa do Brasil, que nasceu há quase 131 anos como Estados Unidos do Brasil.

Bolsonaro é um dos poucos, se não o único, que ao sentar na cadeira de presidente da República insistia em manter agregado a sua pauta de governo, a sua plataforma eleitoral que agradava apenas aqueles mais radicais e extremistas, que o viam e o enxergavam como um verdadeiro messias capaz de dar cabo aos enormes problemas e as mazelas brasileiras, com algumas simples canetada, de estrutura efêmera. Bolsonaro caiu na real. Seu governo de rompantes autoritários e que sonhava em se transformar num governo ditatorial como se sucedeu a gestão do ex-presidente general Emílio Garrastazu Médici, enfim se aposenta.

Isso não significa que o governo Bolsonaro deixará de ser o que é. Conservador ao extremo, que ora se pende aos fundamentalistas neopentecostais, ora se vê emparedado pelo ultraliberalismo econômico que sonha em transformar o país num imenso paraíso do capitalismo selvagem que não deu certo em nenhum canto do mundo, sem amarras burocráticas, ou com marcos regulatórios prontos a atuar para garantir a plena concorrência e evitar que o mercado se transforme em arenas livres, onde apenas o mais forte sempre ganhará.

A decisão de Bolsonaro em, enfim, se distanciar do seu público mais enviesado, extremista e radical ocorre 20 meses após chegar aos Palácios da Alvorada e do Planalto. Nunca, um governante eleito democraticamente demorou tanto tempo para se adequar e se acomodar às regras da civilidade imposta pelo regime da democracia.
Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), e que se elegeu graças ao apoio da União Democrática Nacional (UDN), que apesar de levar a democracia no nome, sempre se guiou por tentações autoritárias e golpistas, durou oito meses no poder porque claramente tentou, em vão, fechar às instituições democráticas com expressivo apoio popular que não recebeu. Renunciou aguardando ser içado por multidões até a porta dos palácios da República. Não aconteceu.

Fernando Collor de Melo, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), atual Partido Trabalhista Cristão (PTC), se manteve 30 meses no cargo sem conseguir apoio expressivo no Congresso. Apenas mantinha, como até então Bolsonaro, uma “tropa de choque” e de “cães raivosos” para evitar que o toma-lá-dá-cá tão característico da incipiente democracia brasileira, tomasse conta da sua gestão. Tradição política sustentada pelo passado clientelista, coronelista e mandonista tão bem retratado na obra ímpar da ciência política brasileira “Coronelismo, enxada e voto” do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Victor Nunes Leal, nomeado para a Suprema Corte pelo então presidente Juscelino Kubistchek, do antigo Partido Social Democrático (PSD), que pouco se parece com o atual PSD do ex-prefeito paulistano, Gilberto Kassab, hoje um dos principais fiadores do governo Bolsonaro. Interessante que Nunes Leal foi afastado (cassado) do STF por decisão do famigerado Ato Institucional, de número cinco, o popular AI-5, editado pela trinca de militares das Forças Armadas que então mandava e desmanda no país e até bem recentemente vinha sendo colocado como sonho de consumo, sobretudo, pelo filho zero três do atual presidente brasileiro, o deputado federal paulista eleito, em 2.018, com mais de 1,8 milhão de votos, Eduardo Bolsonaro (PSL).

A decisão, repentina para os bolsonaristas mais radicais e extremistas, do presidente Bolsonaro em nomear o desembargador piauiense Kássio Nunes Marques, vice-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF), da primeira região, de Brasília, para suceder o ministro Celso de Mello no STF, é apenas o símbolo maior de que Bolsonaro sabe que para continuar a frente do governo federal, será preciso abandonar o discurso radical e extremado que o ajudou a ser eleito em 2.018, mas que o atrapalhará mortalmente na campanha de 2.022.

Bolsonaro dá mostras que não acontecerá com ele o mesmo que aconteceu com os dois outros presidentes direitistas eleitos pela população em 1.960 e em 1.989. Bolsonaro que se impôs como o candidato anti-PT em 2.018, inteligentemente vai costurando sua candidatura à reeleição para enfrentar o mesmo e velho adversário político, colocado como inimigo para os mais radicais e extremistas, e desagradável para a maioria das elites políticas. Bolsonaro sabiamente vai fazendo a transição da direita tresloucada, que vê comunistas comedores de criancinha em tudo que é lugar, para a direita educada e civilizada, que sempre mandou no Brasil, e que nunca gostou de se sentir ameaçada por projetos que tem como intento mudar radicalmente a estrutura e a ordem social brasileira, assentada em quatro séculos de escravismo.

O até então namoro de Bolsonaro com os partidos do “centrão” se materializou nesta última semana em casamento indissolúvel. Vão juntos, até que a morte os separem. Ou, no caso, até o fim do mandato que provavelmente será conquistado nas urnas em 2.022. Bolsonaro, meio sem querer, acabou se tornando uma espécie de Lula para a direita. O que o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) é para a massa da esquerda, Bolsonaro vai se transformando para a massa da direita. O interessante que para isso acontecer foi preciso quase assistirmos uma hecatombe apocalíptica de proporções dantescas.

Claro que isso ocorre num Brasil de nítida transformação social, sobretudo na preferência religiosa, mas que é incapaz de mudar essencialmente como as coisas são. O Brasil se transforma, mas os brasileiros não. A estrutura social brasileira, que quase viu sua organização virar de cabeça para baixo, vai se reestabelecendo como foi arquitetada e pensada pelos fundadores da Terra de Santa Cruz. E assim um velho ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo” vai voltando como premissa básica nestas terras tupiniquins.

Paralelo a tudo isso, o novo Bolsonaro também vai se acoplando a realidade no plano internacional, já que no próximo mês deverá ver seu padrinho do “Tio Sam”, Donald Trump, sofrer uma derrota acachapante nas eleições norte-americanas. Trump provavelmente sairá do poder nos Estados Unidos da América (EUA), assim como entrou: com surpresa para os ditos entendidos.



** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje

Humberto Azevedo
Jornalista e consultor político
Humberto Azevedo é jornalista profissional, repórter free lancer, consultor político, pedagogo com especialização em docência do ensino superior, além de professor universitário, em Brasília (DF).



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