Postado em 15 de novembro de 2017

O jogo que somos jogados

Autor(a): Leonardo Miranda

Todas as distrações são bem vindas para ninguém mais se preocupar com política. Simplesmente a impunidade está rolando solta e a revolta sumiu das ruas e das redes sociais. O pessoal que vivia postando sobre política, agora se cala ou volta sua indagação contra a expressão artística, evidenciando como o senso comum é suscetível à manipulação neste jogo desumano, no qual os populares não passam de peças a serem movimentadas. Afinal, como pode um presidente ser deposto por pedaladas fiscais e o subsequente se manter no governo mesmo após escândalos de corrupção como formação de quadrilha e obstrução da Justiça?

Temer está desconstruindo o Brasil. O seu projeto é retroceder o país como era até o final da década de 1990 e início dos anos 2000: uma nação marcada pelas desigualdades extremas, pela ignorância, pela seca e por ainda mais miséria e fome. Após dificultar o financiamento de residências populares para os mais pobres, ele sucateou ainda mais a educação, limitando o ensino médio e dificultando o acesso ao FIES, o Fundo de Financiamento Estudantil. Temer ainda perdoou dívidas bilionárias dos ruralistas, no impressionante valor de R$ 8,6 bilhões, e incentivou a exploração do trabalho escravo. Tudo para ser absolvido de suas acusações. O “presidente”, entre muitas outras sabotagens contra seu próprio povo, cortou 95% da verba destinada ao combate à seca no Nordeste e por aí vai, por esse caminho literalmente tenebroso.

Após a absolvição de Temer, a notícia destaque não foi seu livramento injusto, mas a enfermidade e sua internação. Você também não acha que foi conveniência demais para se tratar de obra do destino ou do acaso?

Outra pergunta: Lembra das manifestações? Aqueles passeios dominicais orquestrados por corruptos e movimentos de fachada e que garantiram o apoio popular para a grande jogada e constituição do atual governo. Passeios que ocorreram sem enfrentamentos e que muitos ainda insistem em dizer não terem sido absolutamente manipulados.


Após a tomada de poder, para acalmar os ânimos da população, até então revoltada, exposições de arte e peças de teatro passaram a ser alvos daqueles que antes eram condicionados a “lutar” contra a corrupção. De uma hora para outra, até mesmo os enredos das novelas voltaram a deixar a população mais indignada do que qualquer escândalo de corrupção, por maiores que eles sejam... A ordem da vez é: "Deixe para lá, o Brasil não tem solução mesmo”. E a maioria segue fingindo não ser manipulada como se fosse possível esconder as cordinhas amarradas aos dedos dos ventríloquos, tendenciosos que “presentearam” o povo com um pato inflável, tão grande quanto sádico. Um pato inflável de chumbo e que mesmo pesando cada vez mais sobre os ombros de todos nós, os muitos que o aceitaram (como os troianos aceitaram o grande cavalo de madeira dos gregos) agem como se não o tivessem feito. Eis o doce sabor da ignorância, doce sabor que me espanta e me enche de pena daqueles que fingem saboreá-lo, enquanto fazem caretas de tristeza conformada em meio aos retrocessos sociais.

E quanto à PEC 55, lembra? Você pode não lembrar da PEC 55, mas você está sentindo os seus efeitos... Aliás, todos nós estamos, tanto os informados que se opuseram, quanto os alienados que aplaudiram e até a maioria dos coniventes que acham que fazem parte da elite.


Outra pergunta que desnuda o conformismo pós tomada de poder se configura no seguinte fato: Até há pouco, os preços dos combustíveis subiam e muitas pessoas queriam parar o Brasil. Esses preços continuaram subindo, e agora sobem ainda mais, e essas mesmas pessoas querem é parar de usar automóveis para andarem a pé ou de bicicleta. Neste contexto, deixo mais uma questão em aberto: Onde estão todas aqueles caminhoneiros? O sumiço desses “manifestantes” só prova que aqueles que pararam estradas durante as “manifestações” não passavam de funcionários e prestares de serviços para grandes empresas,configurando uma espécie de militantes de cabresto.

Intimamente correlacionado aos altos preços dos combustíveis e com os motivos para a jogada política que levou o atual governo ilegítimo ao poder está a venda do pré-sal, que em síntese, é petróleo. Deixo os seguintes recortes de jornais explicarem melhor o que aconteceu:


E assim as consequências seguem se agravando. A "reforma" trabalhista, sancionada em julho (com amplo apoio da grande massa que ainda confiava cegamente na integridade de Temer e seu governo), entra em vigor. Sobre este fato deixo mais uma perguntinha para responderem à si mesmos: Vocês, que a apoiaram sua implementação, ainda estão confiantes nos benefícios dessa tal "reforma" ou realmente começam a despertar?


Tudo bem, você não votou na chapa Dilma - Temer. Mas, se você, além de ter votado em Aécio Neves, foi às ruas, bateu panela e esbravejou seguindo as orientações dos políticos que hoje são os grandes aliados de Temer no desmanche do Brasil em prol da exploração internacional e da manutenção da corrupção, não tem como você se sentir isento. Sejamos sinceros, no mais: Congratulations awake, you were made of puppets!


Neste enredo de alienação, arrogância e tendenciosidades, surge das profundezas do moralismo, um demônio sedutor: a confiança nas ilusões de uma Intervenção Militar, que invariavelmente se transforma em ditadura.


É fundamental sempre lembrar que a impressão de honestidade, estabilidade econômica, segurança e crescimento durante os 21 anos da Ditadura Militar no Brasil não passam de impressões, uma vez que uma característica inerente à ditaduras é a censura e, com a censura, é impossível denunciar a corrupção, a incompetência administrativa, a falta de segurança e o retrocesso social sob pena de exílio ou de tortura e morte. Um exemplo icônico é o jornalista Vladimir Herzog, então diretor da TV Cultura. Após comparecer voluntariamente para prestar depoimento, foi torturado e assassinado pelo regime militar brasileiro nas instalações do DOI-CODI, no quartel-general do II Exército.


Além das centenas de militantes pela liberdade, crianças também foram vítimas da Ditadura Militar no Brasil, anos de chumbo que invariavelmente seguem após a chamada intervenção. Este vergonhoso governo corrupto e truculento, escondido atrás da violência da censura, que sempre foi patrocinado por interesses internacionais para o sucateamento cultural e econômico da nossa grande nação subdesenvolvida. Um caso emblemático quando se trata de crianças torturadas na ditadura é o de Carlos Alexandre Azevedo, preso com os pais em 1974 quando tinha apenas um ano e oito meses de idade.


Mas, será que realmente temos que nos preocupar com o retorno de tal atrocidade? Sim, e além disso, a censura e a perseguição também podem se instaurar em um regime aparentemente democrático. Principalmente em um contexto no qual artistas de renome nacional e internacional gravam vídeos com depoimentos alertando para a ascensão da censura. Além disso, tenho ouvido relatos de amigos e conhecidos que produzem arte autoral engajada. Eles vêm sofrendo censura. São variados casos com bloqueio de contas de Facebook, Instagram e outras redes sociais. Agora, após a perseguição de exposições de arte e peças teatrais, a censura (escondida atrás do véu de uma justiça corrompida e tendenciosa) começa a recair sobre grandes nomes como Caetano Veloso. Você já se perguntou o motivo dessa ofensiva se dar contra a arte? É que a arte liberta! E, pensando bem, não é realmente demasiado estranho pessoas que não têm a cultura de frequentarem o teatro ou museus se indignarem com peças e exposições com as quais nunca tiveram e nunca terão contato?

A luta de cunho social no Brasil vem sofrendo inúmeras derrotas e a população amarga os retrocessos. Entretanto, não gosto de artigos sem uma pitada de esperança, coisa difícil de se ter neste jogo político que nos cerca, posso citar que após recomendação do Ministério Público, a votação da tal Escola Sem Partido suspensa. Por bem, pois na verdade essa proposta, apesar do nome, não passa de uma imposição de algo que não evoluiu, seguindo as linhas do desenvolvimento cultural em nosso país. E viria apenas para benefício de interesses mesquinhos e rancorosos dos mesmos grupos interesseiros, que encabeçaram a falácia “o gigante despertou”.


Para finalizar, é fundamental voltar a destacar que tudo isso é apenas o começo. Os jogadores sabem que as peças estão dispostas, e muito, a obedecerem. E por isso, esse é o jogo que somos jogados.

Leonardo Miranda
Jornalista
Leonardo Miranda é jornalista formado pela Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto) e atuante em Alfenas. Trabalhou na TV Alfenas/Rede Minas e há 4 anos atua como diretor na Gerais Vídeos, Mídias & Comunicação, produtora sediada em Alfenas.



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