Postado em 14 de dezembro de 2016

Sobre maternar em grupo: acolhimento, escuta e informação

Autor(a): Daniela Rosa

Na primeira coluna sobre maternidade publicada no final de outubro aqui no Portal Alfenas Hoje, falei a respeito da violência obstétrica e da necessidade que temos de revelar estes casos e dar às mulheres condições de reconhecer tais situações de violência para preveni-las ou denuncia-las. Estávamos, na época de publicação do texto, chegando ao mês de novembro. Um momento importante no combate à violência contra mulher, cujo marco se dá no dia 25, instituído como Dia Internacional de Não Violência Contra a Mulher.

 

O dia 25 de novembro constitui-se como um dia de conscientização e luta conta violência atinge mulheres ao redor do mundo, e foi instituído como tal no ano de 1981 durante o I Encontro Feminista da América latina e do Caribe, realizado em Bogotá na Colômbia. A data foi escolhida em homenagem as três irmãs; Pátria, Minerva e Maria Teresa, ativistas na Republica Dominicana brutalmente assassinadas por agentes da ditadura militar do país.

 

Em datas assim muitos grupos de ativistas e instituições se mobilizam para promover debates, discussões, conversas e reflexões a respeito do tema, e nos últimos anos o número de ativistas que se engajaram na luta contra a VO cresce a olhos vistos e divulga um tipo de violência tão comum quanto silencioso. Mas, quais são os caminhos para o combate deste tipo de ocorrência? De que maneira podemos diminuir os números alarmantes de mulheres vítimas de VO e que muitas vezes percebem como ‘normal’ o tratamento recebido? O que eu chamo aqui de ‘maternar em grupo’ pode ser uma das diversas respostas possíveis, e é disso que quero falar hoje!

 

A maternidade se constituiu nos últimos anos como algo muito solitário e apartado dos espaços de socialização e troca. É comum hoje ver mães e gestantes passar pela experiência sem conseguir estabelecer conexões para além daquelas que as infantiliza ou as trata como uma bomba relógio prestes a explodir. As cobranças, os padrões rígidos de conduta materna e a dificuldade em aceitar o que podemos chamar de “maternidade real” são cada vez maiores e mais sufocantes para a maioria das mulheres, e o afastamento dos espaços de trocas saudáveis são um reflexo do temor que, naturalmente, temos de ser julgadas e condenadas por aquilo que escolhemos como forma de cuidar de nossos filhos.

 

A escuta respeitosa e acolhedora daquilo que é dificuldade, dúvida ou dor para uma mulher grávida, no pós-parto (puerpério), amamentando ou criando filhos pequenos tende a ser rechaçado, muitas vezes de forma sutil, a ponto de levar ao mais profundo e doloroso silêncio. Desta forma até mesmo relatos de violência e problemas de diversas ordens, como com amamentação, por exemplo, (mais comuns do que somos forçadas a crer) acabam sendo carregados de culpa e silenciamento. E as vozes não ouvidas produzem patologias que atingem mulheres que estão ao nosso lado, mas não nos damos conta.

 

Não se trata aqui de cair no engodo do discurso que defende que precisamos dar voz a estas mulheres. E nem a qualquer outro grupo considerado silenciado. Aqui a estratégia é muito mais profunda e, portanto, radical. A questão aqui é dar ouvidos. A voz existe, mas precisa encontrar espaços de escuta respeitosa. Daí a ideia de que grupos de mães tenham um potencial tão transformador. Não daqueles que pipocam pelos convênios médicos, hospitais e maternidades  e que tenham como objetivo ensinar as tarefas típicas do maternar como trocar fraldas, dar banho. Sem dúvida, muito importantes, devo ressaltar, mas que ainda assim perdem de vista dimensões sociais e psicológicas que realmente pesam nos meses que se seguirão.

 

Compartilhar relatos de parto, de violência obstétrica, falar dos direitos (vale lembrar aqui que a lei do acompanhante ainda é desrespeitada em muitos casos), falar das dúvidas, medos, traumas e dificuldades.  Acolher o “lado b” da maternidade tem um potencial muito mais transformador na vida das mulheres. E maternar em grupo torna isto possível, facilita a caminhada e fortalece. Sem julgamentos ou fórmulas prontas, mas com acolhimento e informação. A prevenção pode ser construída assim.

Daniela Rosa
Cientista Social
Socióloga, Doula, Educadora Perinatal, Facilitadora do aleitamento materno, Consultora Educacional , Coordenadora do Espaço Sankofa-Saberes Compartihados no Município de Alfenas e membro da comissão científica do SIAPARTO (Simpósio Internacional de Parto)

http://www.facebok.com/sankofasaberescompartilhados


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